segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

UM ANO INTEIRO COM BOLAÑO


Os norte-americanos terão de esperar pelo menos um ano para ler por completo O terceiro Reich, romance perdido de Roberto Bolaño - o escritor mais celebrado no momento nos Estados Unidos. O motivo de tanta espera tem uma justificativa interessante: a aclamada revista The Paris Review vai publicar o romance em quatro partes ao longo de um ano. A manobra faz parte dos planos de Lorin Stein para renovar o espírito da revista. Desde que Stein assumiu a Paris Review, ele já promoveu diversas mudanças e sua experiência como editor da FSG (Farrar, Straus and Giroux) tem contado muito.

Faz mais ou menos 40 anos que a Paris Review não publicava um romance em série, como desse tipo. Isso me fez pensar em certa nostalgia dos folhetins do século XIX, mas entendo que não deixa de ser uma tacada certeira para manter os leitores ligados na revista. Para tornar essa primeira edição com o romance de Bolaño mais caprichada, cada parte será ilustrada com desenhos de Leanne Shapton. O romance deverá ganhar uma edição em livro depois que tiver sido publicado integralmente pela revista.

Nós já estamos lendo O terceiro Reich faz tempo - o romance foi publicado na íntegra em janeiro desse ano pela Companhia das Letras. Para sentir um pouco o estilo de Bolaño, reproduzo abaixo um trecho do começo do romance com tradução de Eduardo Brandão:

Pela janela entra o rumor do mar mesclado com os risos dos últimos noctâmbulos, um ruído que talvez seja o dos garçons recolhendo as mesas do terraço, de vez em quando um carro que circula com lentidão pelo Passeio Marítimo e zumbidos apagados e inidentificáveis que proveem dos outros quartos do hotel. Ingeborg dorme; seu rosto parece o de um anjo cujo sono nada perturba; na mesinha de cabeceira há um copo de leite que ela não provou e que agora deve estar morno, e junto do seu travesseiro, meio coberto pelo lençol, um livro do detetive Florian Linden do qual leu apenas um par de páginas antes de adormecer. Comigo acontece exatamente o contrário: o calor e o cansaço tiram meu sono. Geralmente durmo bem, entre sete e oito horas por dia, embora muito raras vezes me deite cansado. Pelas manhãs acordo fresco como uma alface e com uma energia que não decai ao cabo de oito ou dez horas de atividade. Que me lembre, foi sempre assim; faz parte da minha natureza. Ninguém me inculcou isso, simplesmente sou assim e com isso não quero dizer que seja melhor ou pior que os outros; a própria Ingeborg, por exemplo, sábado e domingo não se levanta antes do meio-dia, e durante a semana só uma segunda xícara de café e um cigarro conseguem acordá-la totalmente e empurrá-la para o trabalho. Esta noite, porém, o cansaço e o calor tiram meu sono. Também a vontade de escrever, de registrar os acontecimentos do dia, me impede de ir para a cama e apagar a luz.
Tem mais um pouco do primeiro capítulo aqui.

*imagem e texto: reprodução.
Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário:

Postar um comentário